imagem retirada da net
Enquanto caminhava pela minha rua saboreando cada lembrança, sentindo cada pedra do chão debaixo dos pés, deixando-me impregnar pelos cheiros tão familiares e relembrado tudo, tudo, semi-cerrei os olhos e imaginei que o vi aparecer ao fundo da rua.
E ele vinha devagar, marcando bem cada passo. Não lhe vi o rosto. O crepúsculo envolvia-o fazendo-o parecer um ser feito de luz e de sombras, um ser quase irreal. Depois, conforme os seus passos o traziam para mais perto, percebi que pouco tinha mudado desde a última vez que o tinha visto. Pude perceber que continuava a usar as mesmas calças largas de caqui, as mesmas camisolas muito usadas, a barba por cortar, sem no entanto o fazer parecer mal, mas sim dando-lhe um ar de desleixo atraente. O cabelo ondulado estava agora cortado mais curto. Depois vi os olhos e afundei-me neles, como sempre tinha acontecido em outros tempos. Afundei-me nos sues olhos líquidos, como se fosse no mar. Deixei-me cair novamente.
Estava perto de mim e não era um sonho. Era real. Ele estava ali e não disse nada. Olhava-me
Olhava-me e eu tomei consciência do meu próprio corpo. Senti tristeza porque me vi gorda e feia. Corei. Tive vergonha e corei.
Desci os olhos até aos meus pés. Olhei-me mesmo a sério e de repente tomei consciência das diferenças. Muitos anos tinham passado. Já não era jovem. Já não era bonita. Já não era magra. Um espelho gigantesco e imaginário à minha frente e via-me toda. Os cabelos tratados mas definitivamente com menos brilho. As roupas clássicas a substituírem a roupas simples e leves de menina. As pernas mais grossas a aparecerem abaixo de um saia-casaco escuro. As mãos. As minhas mãos a ficarem enrugadas, manchadas. Depois o rosto. O meu rosto de menina transformado num rosto cansado. Rugas no canto dos olhos, nos cantos da boca. A pele baça e saturada da vida. Os olhos claros mortiços. Estava velha.
Olhei-o de novo e vi um sorriso gaiato nos seus lábios. Os dentes brancos e perfeitos.
Senti saudade.
Olhei para mim e senti tristeza. Ele não. Estava com ar feliz e descansado. Eu não.
Senti saudade dos seus abraços.
As suas mãos procuraram as minhas. Senti o calor que emanava delas.
Senti saudades dos seus beijos.
Abraçou-me suavemente e senti o cheiro do seu cabelo, do seu perfume.
Senti saudades dele, muitas saudades dele.
Beijou-me no rosto e senti saudades.
As suas mãos continuavam fortes, os seus braços continuavam fortes. O seu olhar continuava forte.
Olhou-me nos olhos e voltei a perder-me neles, naquele azul imenso e morno.
O sol já se tinha ido embora de vez e eu não pensei em mais nada. Caminhei com ele de mão dada pela rua que tinha sido minha, que tinha sido nossa. Caminhamos em silencio, mas dizendo muitas coisas com o sorriso que se nos desenhou nos lábios…
Texto de ficção para a Fábrica das Histórias por Cláudia Moreira
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