Desde sempre tive a mania de guardar coisas. Comprei várias caixas de vários tamanhos e feitios e cores e baptizei-as com o nome de caixas das tralhas.
É claro que não são tralhas, são recordações, memórias na forma de objectos, pedaços de mim. Passa-se muito tempo que nem sequer lhes toco, mas o facto de ali estarem sossega-me, deixa-me tranquila porque sei que aquela parte do meu passado continua a pertencer-me e não me irei esquecer dela quando a idade me começar a atraiçoar. Ninguém me pode roubar estas memórias.
Ontem estava a arrumar o armário onde guardo parte dessas caixas e uma dela caiu-me no chão, abrindo-se e espalhando parte do seu conteúdo. Baixei-me para começar a apanhar as coisas e arruma-las no sítio, mas em vez disso sentei-me no chão e comecei a pegar em cada uma das coisas com um cuidado quase religioso, a ver se tudo estava intacto e ao mesmo tempo obedecendo ao chamamento irresistível de lembrar o passado.
Naquela caixa guardo todas as coisas especiais que fizeram parte duma parte especial da minha vida: o meu primeiro grande amor.
Dentro da caixa repousam bilhetes de comboio das viagens que fiz para o ver, antigas cassetes de música que só ele ouvia, cadernos cobertos de palavras a contar histórias, sentimentos, emoções e pequenos nadas que eram tudo naquela altura. Eu não devia ter mexido na caixa, eu não devia ter sequer ido ao armário sabendo que podia ver a caixa, porque a verdade é que eu já sabia como ia terminar a noite.
Confesso que sempre que mexo nas caixas das tralhas fico deprimida e por isso deveria evitar mexer nelas, mas de vez em quando o apelo é demasiado forte. É como se a minha mente, inconscientemente, me levasse até ela, como se fosse vital não deixar morrer estas memórias. Memorias que contam a minha vida, que contam como cresci, como me tornei mulher.
A história terminou mal. Sofri. Chorei. Sofri muito. Chorei. Não pudemos ficar juntos. Eu era demasiado nova e ele muito mais velho. Eu era demasiado inocente e ele tinha demasiado a perder. Eu era pobre e ele não. Eu era apenas uma menina com ânsias de ser mulher que adorava um homem que não me podia fazer feliz.
Peguei nas coisas do chão, uma a uma, com muito cuidado. Um soluço preso na garganta e os olhos a arder. Bastava apenas um click para despoletar um manancial de lágrimas.
Estranho. Tantos anos se passaram, tantas rugas na minha cara, cabelos brancos na minha cabeça e ainda me fazia sofrer. Já não há amor. Apenas uma mágoa profunda que continua a fazer-me sofrer. Apenas um reviver de uma situação que doeu. Sofrimento. Dor. Frustração. Paixão. Amor. Tanta coisa. Ficou tudo dentro de mim. Ficou a marca indelével de um grande amor.
Coloquei a tampa na caixa, guardei-a no armário. Limpei as lágrimas. Fechei a porta. Virei as costas e ergui a cabeça, afinal as memórias são muito importantes, mas a vida é agora.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. Hoje...
. Isa
. Não há amor como o primei...