imagem retirada da net
Simão era um homem que tinha crescido no meio dos homens. Simão era um homem que tinha aprendido que os homens é que devem mandar porque elas não tinham sido feitas para pensar. Simão era um homem que tinha aprendido que ser mulher é ser inferior. Simão era um homem que não conhecia as mulheres.
Depois, um dia, embarcou numa viagem sem retorno. Uma viagem de conhecimento, de revelações. Simão perdeu o pai com quem sempre vivera e com quem tinha sido sempre educado e vagueou sozinho pelo mundo. Ele era um homem muito observador e inteligente e por isso muito rapidamente absorveu muita informação. Simão estava estupefacto com as coisas que via. Simão queria entender.
Viu então muitas mulheres, viu-as verdadeiramente com os olhos ansiosos por aprender. Viu mulheres a trabalhar no campo, de mãos calejadas e costas dobradas. Viu mulheres nos hospitais salvando pessoas das garras da morte. Também viu mulheres salvando crianças das mãos de pedófilos e assassinos. Vou mulheres polícias e viu mulheres nas ruas vendendo o seu corpo para sustentar pais doentes e filhos pequenos. Viu mulheres sozinhas a cuidar das casas e dos filhos. Também viu mulheres que mesmo na adversidade não deixavam nunca de sorrir. Também viu mulheres enfermeiras que não saiam da cabeceira da cama dos doentes no último sopro de vida. Viu-as nas escolas a ensinar com uma paciência infinita, viu-as no laboratórios a descobrirem curas e vacinas para doenças raras. Viu mulheres que comandavam tropas e governavam países. Viu tantas e tantas e tantas mulheres que nunca deixavam de sorrir mesmo na adversidade dos dias mais difíceis. Viu mulheres no momento do parto. Viu mulheres a fazer um mimo na cara dos filhos. Viu mulheres na guerra e viu mulheres a amamentar. Viu mulheres que nunca desistiam por mais difícil que fosse o caminho a percorrer.
Tudo isto o alegrou. Tudo isto o espantou. Alem de tudo, espantou-o a capacidade maravilhosa de nunca deixarem de serem meigas e pensarem nos seus filhos ou mesmo nos seus companheiros homens. Ganhou uma profunda admiração pelas mulheres.
Um dia descobriu que se festejava o dia da mulher. Descobriu que nesse dia se compravam presentes e se faziam jantares. Que nesse dia se falava muito nas mulheres e que nos outros dias eram maltratadas e ignoradas. Nos outros dias os maridos gritavam-lhes e exigiam-lhe coisas absurdas. Nos outros dias eram apenas aqueles quem se esperava o trabalho, a meiguice, os sorrisos, o nunca barafustar ou dizer não. Nos outros dias dava-se como adquirido que a mulher não precisava de sorrisos ou obrigadas.
Simão não percebeu e recolheu-se um pouco. Precisava de pensar. Precisava de perceber no porque destas atitudes. Não era preciso haver um dia dedicado às mulheres porque o deveram ser todos. Não deveria haver um dia dedicado às mulheres porque não deveria se necessário lembrar todo o trabalho e que exercem todo o esforço que fazem. Deveria ser um dado adquirido que as coisas que as mulheres fazem são coisas normais mas que merecem reconhecimento e gratidão na mesma pela boa vontade com que são feitas. E isto não deveria ser por ser mulher ou homem mas por ser intrínseco a ser-se humano. Quem da tanto de si deve ser reconhecido e agraciado por isso. Assim, era como se dessem uma migalha de pão a um esfomeado. Era como se dissessem às mulheres: toma lá este dia e contenta-te. No resto dos dias nem vamos notar que existes. Simão não percebeu e doeu-lhe na alma.
Meteu então os pés ao caminho numa viagem longa de reflexão. Precisava de pensar em tudo isto. Percorreu muitos quilómetros. Conheceu muitas culturas. Dormiu com muitas mulheres. Amou-as todas. Precisava de perceber e mesmo assim não conseguiu. Quando voltou fechou-se em casa a escrever. Depois de muitos dias, muitas semanas, meses e anos, finalmente terminou, tudo o que precisava de dizer sobre a beleza exterior e interior das mulheres estava naquele livro. Era o elogio das mulheres. Simão estava velho. As barbas longas estavam brancas e o cabelo durante anos sem cortar caia-lhe pelas costas. Pegou no manuscrito debaixo do braço e deixou-o ficar nas mãos de uma mulher jovem e muita bela que por ele passou. Depois voltou asa costas e nunca mais ninguém ouviu falar dele.
O livro, esse, foi publicado e tornou-se a maior homenagem de todos os tempos às mulheres de todos os tempos, idade e classes sociais. Como não há autor, os direitos das vendas revertem a favor de casas para ajudar mulheres cujos homens costumam maltratar. Também se usa uma parte do dinheiro para descobrir a cura para doenças que são apenas das mulheres.
Muita gente lê o livro e, creio, não há ninguém que fique indiferente. Nem mulheres e nem homens. Creio que foi cumprido o objectivo de Simão, pelo menos um bocadinho em cada homem que o lê e muda a sua maneira de ver as mulheres. Agora só nos resta esperar que a humanidade se torne toda tão sábia como o Simão, lendo ou não a sua obra. Importa é que dentro do coração dos homens o mundo comece a ser mais justo.
Texto de ficção escrito para a fábrica das histórias por Cláudia Moreira
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