Domingo, 12 de Setembro de 2010

Apenas uma canção

 

 

Quando entrei naquela sala não sabia o que me esperava. Não sabia como seria, nem quem lá estaria, nem o que se passaria. Não sabia que iria ser uma noite muito diferente de todas as outras noites dos últimos aniversários da minha vida.

Era o trigésimo sexto aniversário da minha vida e obriguei-me a ir à minha própria festa de aniversário. Estava sozinha e de coração partido. Uma festa era tudo o que não me apetecia, mas quando amigos de sempre nos fazem uma festa de aniversário não podemos deixar de ir. Por isso tentei dar-me um ar mais ou menos decente, pus um vestido bonito e forcei um sorriso na hora de entrar na sala.

Não esperava que a sala estivesse tão bonita e isso aqueceu-me um pouco o coração. A sala estava toda decorada ao estilo dos anos loucos do jazz, como se tivessem transportado uma sala directamente de Nova York para aqui. Um belíssimo piano de cauda ocupava um dos cantos. O banco atrás dele estava vazio esperando ansioso o pianista. Ao lado um homem tocava um solo maravilhoso no violoncelo, pouco mais do que um longo queixume. Apesar da semi-obscuridade da sala pude ver que as paredes tinham quadros com os mais famosos do jazz.

- Parabéns querida!

A minha melhor amiga estava ali para mim, fazendo uso do seu mais belo sorriso, oferecendo-mo sem pedir nada em troca. Ou talvez sim: um sorriso meu. Apenas um sorriso meu. E tudo porque nos últimos tempos esses sorrisos eram escassos. Ela sabia como estava a ser penoso suportar o fim de um breve casamento com um homem que supostamente era maravilhoso mas que se tinha revelado um canalha. Madalena era uma amiga como não havia outra.

Abracei-a e contive uma lágrima. Tinha o coração apertado. Depois todos vieram dar-me os parabéns. Família e amigos vieram abraçar-me e desejar as maiores felicidades e eu já não acreditava nessa felicidade.

- Vais ver que em breve essa dor será passado. Verás amiga…

E sorria.

Depois todos os meus amigos se envolveram em conversas animadas, bebendo champanhe e rindo alegremente. E eu sentia o meu coração prestes a explodir de tristeza. Estava já na segunda metade dos trintas e não tinha conseguido manter a minha relação. Em menos de nada estaria velha e já não teria quem me quisesse….Acabaria sozinha num lar de terceira idade…

- Sara? Sara? Acorda amiga! Estás longe…

Madalena sorria-me. E eu sorri de volta.

- Tenho aqui uma pessoa para te apresentar.

- Madalena, não é uma boa hora…- balbuciei.

Mas tarde demais. Ela já tinha chamado a pessoa em causa. Um homem bonito, jovem ainda, caminhou na nossa direcção e apertou-me a mão suave e firmemente.

- Muito prazer Sara de Almeida.

Eu nem fui capaz de responder porque por breves momentos só consegui olhar para aqueles olhos fabulosamente azuis. Creio que fiz figura de idiota porque dei por mim a vê-los trocar olhares risonhos como se dissessem que eu tinha aberto as asas e voado para muito longe sem os ter levado comigo!

- O prazer é meu…senhor?

- Apenas Gabriel.

E sorriu, mostrando um sorriso sincero e…deslumbrante!

- E já agora muitos parabéns.

- Obrigada.

A madalena tinha desaparecido e eu não sabia bem o que fazer a seguir.

- Eu sou o pianista.

- Ah! Muito prazer! E…não vai tocar?

- Estava apenas à sua espera… Hoje vou tocar apenas para si…

Mesmo sabendo que ele queria apenas dizer que tinha sido contratado para tocar na minha festa de aniversário, a verdade é que me apeteceu acreditar que ele queria mesmo dizer que só ia tocar para mim. Uns segundos depois ele agarrou-me na mão e arrastou-me até perto do piano. Pousou o seu copo e eu deixei-me estar encostada ao piano para não se notar o nervoso. Gabriel começou a tocar e dois segundos depois eu não me lembrava mesmo que estavam ali mais pessoas e achei que ele estava mesmo a tocar só para mim. Depois, mais tarde, bem mais tarde, quando já todos estavam nas suas casas dormindo o sono dos justos, nós continuávamos na sala da festa. Gabriel continuava a tocar para mim e eu continuava a ouvi-lo deliciada. Gabriel não me tinha deixado ir embora, pedindo para ouvir mais uma canção e depois mais outra e mais outra, até que todos já se tinham ido embora vencidos pelo cansaço.

Foi então que ele me puxou para o lado dele, fazendo-me sentar no minúsculo banco de pianista. Agarrou-me na mão e levou-a às teclas do piano, a mão dele sempre por cima da minha. Tocamos algumas notas ao acaso…

- Sabias que és linda Sara de Almeida?

Escondi os olhos envergonhada.

- És mesmo! E vou tocar uma canção para ti e só para ti.

E tocou e eu gostei tanto. E depois não fui capaz de sair dali. E por isso quando Gabriel tocou as ultimas notas e tirou as mãos do piano eu ainda estava ali. E por isso ele pôde beijar-me porque eu estava tão perto. E por isso é que nem fomos para casa naquela noite e em vez disso fomos ver o nascer do sol no telhado do prédio. E depois fomos tomar o pequeno-almoço e depois ficamos juntos para o resto das nossas vidas.

Madalena, uns dias depois da festa perguntou o que me tinha acontecido. E respondi tão prontamente que ela não duvidou da sinceridade da minha resposta.

- Apenas uma canção…

 

Texto de ficção escrito para a fábrica de Histórias

sinto-me: ...
publicado por magnolia às 23:55
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