caminho de santiago out 2010- algures antes de Pontevedra
Dia de Outono
O dia ainda não tinha nascido e já eu estava de mochila às costas no local marcado para o início do passeio. Tinhamos combinado uma caminhada, a ultima desse Verão. Na verdade já era mais Outono que Verão, mas os dias ainda estavam quentes e não haveria problema em fazer a caminhada, desde que se saísse bem cedo para depois não sermos apanhados pela noite.
Por isso tínhamos combinado as sete da manhã. Estava fresca mas límpida a manhã. O vapor da respiração a sair da boca provava que o Verão já se tinha ido embora. Mais tarde, quando o sol ficasse bem lá em cima, já seria preciso tirar as camisolas e andar de t-shirt. E, se fosse como o costume, a transpiração seria abundante.
Depois de estarmos todos seriamos quatro. A Maria, a Joana e o Bruno e eu, é claro. Todos estávamos bastante habituados às caminhadas e por isso aquela seria pouco mais do que um passeio. Apenas vinte quilómetros e estaríamos lá em cima no ponto mais alto da montanha. Depois alguém nos iria buscar uma vez que não poderíamos pernoitar.
Depois de alguns quilómetros praticamente em silencio o sol começou a brilhar e nós também. Já era quase uma tradição, depois de tiradas as primeiras peças de roupa começavam as conversas. Nem sempre muito fácil porque caminhar a subir e falar não é fácil. Mas a verdade é que nos dava tanto prazer as caminhadas que era impossível não partilharmos e não falarmos, rirmos, partilharmos os nossos pensamentos. O ar puro deve ser como um “abridor de corações” porque ali na natureza intocada conseguíamos falar de tudo, contar os nossos maiores segredos, pedir conselhos e sermos nós mesmos sem qualquer problema. Era uma das coisas boas das caminhadas. Eram momentos de descontracção, amizade sincera, entreajuda. No inverno iríamos todos sentir muita falta desses momentos, eu sem dúvida.
Paramos para almoçar perto das duas da tarde. Paramos num lugar privilegiado. Dali podíamos ver o vale todo. As casas aqui e ali de aldeias perdidas, o rio a serpentear, preguiçoso. O verde exuberante dos pinhais. Onde estávamos era uma espécie de clareira na floresta verde. Mais para cima começaria a rarear. Sentamo-nos juntos e contemplamos a vista. Era absolutamente fabulosa e deslumbrante. Senti-me agradecida a Deus pela oportunidade de ver semelhante beleza. Sei que os outros também.
Depois subimos o resto da montanha até ao cume. Lá apreciamos a magnífica vista. Imaginei que fosse assim o paraíso. Verde em baixo e azul em cima. E sorri. Sorrimos uns para os outros, felizes.
Sentamos a lanchar. Em breve seria hora de voltar. Mais uma hora e o todo-o-terreno do nosso amigo e impulsionador das caminhadas iria estar ali para nos levar montanha abaixo. Até lá era hora de aproveitar aqueles momentos especiais. Deitamo-nos na erva seca e olhamos o céu.
Adormecemos. Já não era a primeira vez que isso nos acontecia. O problema é que desta vez ninguém nos acordou. Quando abri os olhos os outros continuavam a dormir e ninguém estava ali para nos ir buscar. Era tardíssimo e não estava ali ninguém. Achei estranhíssimo e por isso acordei os outros bruscamente. Ficamos preocupados. Em breve seria de noite e não tínhamos tenda, nem comida. Olhamos uns para os outros preocupados. E agora?
Descer não era viável pois de noite era complicado achar os trilhos. Pela estrada era demasiado longe e estávamos cansados. Os telemóveis estavam mudos há muito tempo. Ali não havia rede. Não sabíamos o que tinha acontecido ao nosso amigo e pensamos no pior. Um acidente. Só podia ter sido um acidente. De outra forma ele teria mandado alguém.
Agora já era mesmo noite cerrada e estava a ficar frio deveras. Mais frio do que de manha pois em terras altas há sempre mais frio. Nas mochilas tínhamos apenas agasalhos para a chuva e umas barras energéticas além da água. E mesmo essa estava no fim.
Um de nos pensou numa fogueira mas era complicado arranjar a lenha para a fogueira. A situação era deveras complicada. Ficarmos ali debaixo do céu aberto ate de manha era uma pneumonia pela certa. Esperamos mais um pouco na esperança de que a nossa boleia estivesse apenas atrasada. Mas nada. Ninguém apareceu.
Desconsolados resolvemos andar. Fomos andando pela estrada, montanha abaixo, cansados e cheios de frio. As barras já tinham ido e os estômagos estavam a fazer ruídos desagradáveis. Cinco quilómetros a frente sentimos as luzes de um carro atrás de nós.
Era a nossa boleia! Ficamos tão contentes que desatamos todos aos pulos no meio da estrada esquecendo a fome e o cansaço.
- Estive três horas à vossa espera!!! Onde estavam?
Ficamos a olhar uns para os outros incrédulos.
- No sitio que combinamos.
- Eu estive lá ate agora.
- E nos também!
Não podíamos compreender o que se passara. Não era possível estarmos todos no mesmo sítio e não nos termos visto!
Mas naquele momento só importava ir para casa comer, tomar banho e dormir! Nada mais importava! Ninguém queria saber das explicações. O único que estava bastante aborrecido era o Jorge, o nosso amigo que tinha estado as três horas à espera sem saber de nós e que estava a caminho do posto da guarda para nos ir procurar.
Mais tarde percebemos que alguém, e não fui, se tinha enganado a dizer qual o trilho que iríamos seguir. Posto isto foi fácil de perceber que tínhamos estado a espera uns dos outros a menos de um quilometro de distancia, cada um mais preocupado que o outro!
Mesmo assim ninguém ficou chateado. Era a última caminhada do Outono e estávamos bem e além de tudo agora tínhamos todos uma grande história para contar!
Texto de ficção escrito para a fábrica das histórias por Cláudia Moreira
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