Eu estava ali sentada há apenas alguns minutos e a única chama acesa era aquela que eu própria tinha acendido.
A igreja estava deserta, escura e fria. O cheiro bafiento da madeira comida pelo bicho e da cera derretida impregnavam o ar. O cheiro próprio dos velhos que debitam terços atrás de terços pairava por ali denunciando a sua presença assídua. Sentei-me no banco mais próximo de uma coluna larga de pedra fria onde estava encostada a mesa com as velas. Acendi uma delas e sentei-me, enrolada num velho casacão gasto, a olhá-la. A chama clara e quente libertou um cheiro agradável. Sentia a falta das minhas pessoas, daquelas que já partiram e lembrei-me delas com saudade, mas não rezei. Bem sei que é absurdo ir à igreja, acender uma vela e não rezar, mas já nem sequer me lembro das orações que aprendi na catequese. Já não sei rezar. Penso apenas nas minhas pessoas e sinto-lhes ainda a carne quente nos meus lábios como quando em vida lhes dava beijos nas caras já enrugadas. Os meus queridos avós.
Tenho muitas saudades e sinto uma pontinha de dor no peito. As lágrimas querem sair mas não deixo. Não quero chorar. Sei que eles também não querem que eu chore. Olho os vitrais da velha igreja românica e penso na sua beleza. Ouço o silêncio e deixo que entre dentro de mim. Sinto-me em paz ali entre as altas e velhas paredes de pedra gasta. Os santos olham-me de cima dos seus altares vestidos com as suas roupas estáticas e parecem tristes.
Eu também estou triste. Sinto-me só. Vou muito à igreja em busca da paz que me falta na vida. Por vezes tento conversar com Deus, mas ele não é muito conversador. Mas é bom ouvinte e eu aproveito para desabafar. Conto-lhe tudo. Conto-lhe tudo o que me vai na alma. Conto-lhe o que me atormenta. Conto-lhe os meus sonhos. Conto-lhe os meus desgostos. Às vezes peço-lhe a opinião sobre uma coisa ou outra mas ele na maioria das vezes fica em silêncio absoluto. Creio que fica à espera que eu própria encontre a resposta dentro de mim. Umas vezes encontro, outras vezes não. Acho que ele poderia facilitar muito mais a minha vida...
O tempo passa e dói-me o corpo de estar tanto tempo sentada na mesma posição no velho banco de madeira. Está frio. Um arrepio passa por todo o meu corpo e até os cabelos no alto da cabeça ficam eriçados. É noite já. O velho padre passa a coxear pela nave principal e vê-me. Cumprimenta-me educadamente. Já me conhece destas visitas solitárias mas até agora nunca me falou. Creio que desconfia que o meu propósito não é o religioso e não me confronta. Talvez tenhas esperanças que um dia venha a ser e lhe fale de livre vontade.
Penso em ir embora, mas não me apetece. Não tenho ninguém lá fora à minha espera. O meu estômago ressente-se das horas que ali passei. Digo em silêncio adeus aos meus entes queridos, cumprimento com um aceno de cabeça a Virgem e o menino, o São João Baptista e a Santa Rita. Levanto-me e depois de um breve sinal da cruz viro as costas ao altar e saio para a noite fria de Inverno. E também a frágil chama solitária se extingue...
Texto de ficção escrito para a Fábrica das Histórias por Cláudia Moreira
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