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Tenho um segredo. Tenho vários, como toda a gente, mas tenho um que me cobre de vergonha sempre que penso nele. Não, não pensem já que matei alguém, que fiz um assalto, ou que cometi um crime, desses que além de nos cobrir de vergonha, também nos levam para trás das grades. O meu segredo é de outro género. É daquele género que não queremos jamais que alguém fique a saber, porque temos medo da crítica, do julgamento, dos olhares devassadores de quem nos descobriu, da troça.
E eu tenho um segredo desses e não sei o que fazer com ele. Há algum tempo que vivo num dilema terrível. A dúvida corrói a minha vida, destrói o meu sono e amordaça todos os meus sonhos. Não sei o que fazer com este segredo. Não sei como ultrapassa-lo.
E se lhe contasse? Hum… não sei… Conto ou não conto? Não, não conto. Não conto e pronto. Sim, conto, conto, devo contar. Conto e acaba-se aqui o problema de ter um segredo. Não, não. Não conto. Oh meu Deus, conto ou não conto?
Não há nada pior do que ter um segredo a roer-nos as entranhas. Não há nada pior do que saber que um pequeno descuido e seremos apanhados de uma forma irreversível. Não há nada pior do que ter uma vontade enorme de abrir a nossa alma, mas o medo ser maior, mais forte que todos os outros motivos racionais em que pensamos.
- E então? Combinamos o fim-de-semana?
- Ah….eu até queria, mas…
- Mas quê?
- Nada…
- Nada? Não queres ir comigo amor?
- Quero, mas…
- Mas...?
- Nada, nada. Vamos lá.
E agora? Tenho que pensar muito bem no que fazer e já! Não devia ter aceite. Não devia, não devia. Como poderei agora enfrentá-lo? Ou fugir…
Ai! Mas o que é que eu faço agora da minha vida? Vou morder de vergonha! Literalmente! Já estou mesmo a ver: ele descobre, eu fico mais vermelha que um tomate e acabo caída para o lado com um enfarte de tanta vergonha que vou sentir! Mas porque é que me havia de calhar a mim esta sorte malvada?
- Então vamos. Tu estas bem? Pareces estranha de repente…
Pois. Eu devo estar com uma cara de meter medo! Estou a esboçar um sorriso, mas desconfio que é apenas um esgar.
- Querido…
- Sim?
- Tenho algo para te dizer.
- Sim, diz-me.
- Bem…
- Está difícil! Diz lá meu amor!
- Não é nada…
- Caramba! Não é nada e estás ai com uma cara de aflição que mete medo?
- É complicado. É melhor veres com os teus próprios olhos…
Vermelha, afogueada, com o coração aos pulos dentro do peito, capaz de me sair pela boca de tanto pular. Meu Deus, espero que ele não o note. A vergonha deixa-me muda. O momento mais temido é este e tenho que me mostrar segura de mim. Mas isso parece-me assim uma tarefa mais ou menos impossível… mas que vida a minha…
- Era isto o que te preocupava?
- Sim... era isto… -
Eu não levanto o olhos do chão, não me atrevo…
- Mas isso não tem importância nenhuma!
- Como não tem importância nenhuma?
- Não tendo. Minha querida, meu amor. Isso é normal, muita gente tem o mesmo problema que tu. E estas a ser mesmo muito pateta…
E diz ele isto com o sorriso mais compreensivo do mundo… e eu a suar frio.
Agora já esta e não posso voltar atrás. Está feito. Pronto. Mas que parva. Podia ter evitado isto se tivesse recusado o fim-de-semana.
- Isto é horrível…
- Minha querida namorada. Isso não é terrível, isso é normal. Além disso, eu sou o teu namorado não sou? Não achas que comigo deves poder abrir-te? Contar-me os teus segredos? Os grandes e os pequenos?
Sei lá bem o que te devo contar…parece-me que já estou arrependida mas é….
- Prometes que te acalmas e tiras essa cara de mulher mais infeliz do mundo?
Mas porque será que este homem é tão simpático? Ou será que realmente estou a ser pateta? Continuo cheia de dúvidas e já não há nada a fazer…mais vale acalmar.
- Esta bem, prometo. Seja como for, agora já sabes…
Engraçado, ele não ligou absolutamente nada ao meu segredo… que alívio. Já não tenho mais que me esconder, arranjar desculpas para não sair com ele. Já não tenho mais que fantasiar porque não posso ter a realidade. Agora já posso ter a realidade…parece que afinal, nem todos os segredos devem ser bem guardados…
E foi assim que desvendei o meu segredo que me cobria de vergonha e já não cobre. As vezes devemos confiar em alguém, abrir a nossa alma. Não podemos ser tão pessimistas porque nem sempre corre mal. E para falar a verdade, começo mesmo a acreditar que vale sempre a pena confiar, ficamos mais leves, mais soltos. E por fim, já podemos sorrir do alto porque ninguém consegue derrubar alguém que nada tem a esconder. Por isso digo, nem todos os segredos valem a pena ser guardados.
Texto de ficção para a “Fábrica das histórias”, por Cláudia Moreira
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- Sabes, minha querida, esta história podia contá-la tantas vezes quantas estrelas vês no céu. - Conta mais uma vez avózinha, por favor... - Está bem, vou contar... “Naquele dia tinha chegado a casa cansada e deprimida. Tudo tinha corrido mal de manhã à noite, por isso quando entrei na porta atirei a correspondência para cima de uma mesa, carteira para o sofá, casaco na cadeira às três pancadas e fui para a janela ver o mar. Que bonito era o mar visto da minha janela. Era apenas uma nesga de mar, mas sabia-me tão bem num fim de dia chegar à janela e ver aquele bocadinho de azul... Transportar-me para outras paragens, apenas com um piscar de olhos... fiquei assim algum tempo, a pensar na vida, nos problemas, nas angustias. Depois a noite caiu e deixei de ver a nesgazinha de azul... Fechei a janela com pena e ia para o quarto deitar-me, numa tentativa de fazer terminar aquele dia o mais depressa possível, quando algo me chamou a atenção. Na mesa por entre as cartas do banco e anúncios publicitários estava um envelope amarelo, cuja pontinha de fora mostrava vários selos, sinonimo de que aquela carta não vinha de nenhuma instituição. Peguei-lhe a medo e fiquei a olhar, saboreando aquele momento de antecipação. O que estaria ali dentro?” - Pois, minha querida neta, ali estava a carta mais bonita que já alguma vez recebi porque me deu a conhecer o teu avô. “Abri a carta e lá dentro estava uma simples folha de papel amarelado, como se já tivesse sido escrita há muito tempo. Li a carta de uma vez só e depois li outra vez, e outra e outra, até que já sabia as palavras de cor. E mesmo assim nada parecia fazer sentido... Minha querida, Sei que vais achar esta carta no mínimo estranha, porque não me conheces, nem nunca ouviste falar de mim. Mas tenho esperança que em breve isso mude e que aceites conhecer-me. A ti já te conheço sem nunca te ter visto. sei apenas o teu nome e pouco mais...mas sei que tens um enorme coração e o desejo de ser feliz. Também eu tenho esse desejo, minha querida. Li tudo o que escreveste e apaixonei-me pelas tuas palavras. Contigo fui ver mar, caminhei na areia, sofri, ri, amei. Juntos voamos pelos céus, vimos gente, vimos mares, vimos montanhas de fogo. Naveguei contigo por mares nunca antes navegados, naufragamos, mas sobrevivemos. Fomos a mundos que eu nem suspeitava que existiam. Contigo, guiado pelas tuas palavras, conheci um mundo rico de sentimentos e emoções. Vi a beleza que existe em ti e desde esse dia, nunca mais me saíste do pensamento, acompanhas-me para todo o lado, o tempo todo. Sei que te amo, minha querida. Sei que vais achar que sou louco... É verdade, eu também me sinto louco. Na verdade, se me acontecesse a mim, eu pensaria que a pessoa estaria louca. Por isso compreendo se neste momento estiveres a amarfanhar este papel, pronta para o atirar à lareira, de maneira a que desapareça para todo o sempre. E no entanto, tenho esperança que não o faças. Que acredites na sinceridade das minha palavras, que me dês uma chance de te mostrar que por vezes as coisas boas nascem de actos loucos como o meu. Que me deixes mostrar que este sentimento que nasceu apenas da leitura das tuas palavras, mesmo sem nunca te ter visto o rosto, é enorme, é sincero e é teu, todo teu... Sonho em sentir a tua mão na minha, enquanto passeamos calmamente pela beira-mar...sonho em sentir os teus lábios nos meus em jeito de promessa de muitos mais...sonho em apenas com um simples gesto afastar-te o cabelo do rosto e olhar no mais fundo dos os teus olhos e ver um amor igual ao meu... Deixo-te agora minha querida, já com saudades...e com esperanças que pelo menos tenhas a curiosidade de me conhecer um pouco mais... Teu para sempre, Com um beijo apaixonado.... - E pronto, depois desta muitas se seguiram e um dia estávamos casados e felizes. Mas isso tu já sabias! - Pois sabia avózinha, mas gosto tanto de te ouvir contar isso....e também queria um dia ter assim um amor como o teu...
- E terás minha querida e terás...como vês, nada na vida é impossível, e às vezes o amor verdadeiro surge dos sítios mais extraordinários e maravilhosos...
Ficção, escrito para a “Fábrica das histórias” por Cláudia Moreira
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Uma luz suave desceu sobre mim e envolveu-me de uma forma inesperada. Fechei os olhos e senti a suavidade da seda no rosto e uma paz no coração como nunca tinha sentido antes. Deixei-me embalar pela melodia que parecia ser tocada por anjos e todos os maus pensamentos desapareceram. Estava em paz.
Não sei quanto tempo estive assim, talvez um segundo, talvez umas horas, não sei. Sei que quando saí daquele torpor, pensando que deveria ter passado pelo sono, vi aquela luz subir acima da minha cabeça e uma força irresistível impeliu-me a segui-la. Não tinha sido um sonho afinal.
Atravessei ruas e travessas, sempre seguindo aquela estrela, subi montes e atravessei rios. Não sei quanto tempo caminhei. Tive tempo de pensar que era uma alucinação e deveria estar maluca seguindo uma estrela por montes e vales. Já nem sequer sabia onde estava. No entanto a mesma força continuava a fazer-me andar, sem sequer sentir cansaço algum. Estava frio, mas não o sentia, apenas via o vapor que saia da minha boca. Tinha deixado tudo para trás, casaco, carteira, tudo. Há quanto tempo estaria a caminhar? A paisagem ia mudando, vi pessoas nas bermas das ruas que me olhavam desconfiadas, os gatos seguiam-me durante um pedaço de caminho. Será que também viam a minha estrela? Não viam, sei-o agora. Estavam era espantados com uma mulher que seguia algo que não viam, sem casaco, e sapatos de salto alto em pleno Inverno…
Finalmente a estrela parou. Ficou ali, a pairar sobre algo que eu não via. O seu brilho foi aumentado gradualmente à medida que me aproximava dela. Foi descendo devagarinho, até que ficou a pairar tão baixinho que quase tocava no chão. Aproximei-me a medo. Estava no meio de um pinhal. O cheiro intenso a resina entrava-me pelas narinas e os pequenos ramos partiam-se, estalando debaixo dos meus pés. A claridade era tão intensa que me obrigava a semi-cerrar os olhos. Aos poucos fui-me habituando àquela luz, e pude então aperceber-me do que me rodeava. Já era de noite, a escuridão envolvia-me a mim e à minha estrela. As árvores balançavam com o vento frio do norte e a vegetação rasteira fazia-me cócegas nas pernas. Os pássaros estavam calados, já recolhidos para a noite. Nada perturbava o silêncio da noite. Eu cismava no motivo que me trouxera ali. Seguira uma estrela. Estaria louca? Onde estaria? Não fazia a mínima ideia.
Foi mais ou menos nesta altura que as minhas reflexões foram interrompidas por um choro de criança pequena. Ouvi com mais atenção e lá estava o choro de novo. Esforcei a vista e pude perceber algo encostado a um pinheiro manso. Era uma alcofa. Mal acreditando, corri para lá e o meu coração deu um pulo. Um bebé pequenino, quase recém-nascido estava ali, envolto em mantinhas azuis e fazendo beicinho, numa tentativa de choro. Meu deus! Que faria ali um bebé no meio do bosque? Olhei para a estrela e a sua luz estava agora mais intensa que nunca. Peguei na criança e vi que estava bem, mas com fome. A sua boquinha reclamava o peito de uma mãe. Infelizmente isso não poderia dar-lhe. Mil perguntas enchiam a minha cabeça mas agora não teria tempo de as responder. Precisava urgentemente de encontrar alguém, uma casa aquecida, um hospital, não importava, precisava era de encontrar algo para dar de comer ao bebé. Olhei a estrela que continuava a pairar em cima de mim e mudamente lhe pedi que me guiasse novamente. Como se me tivesse ouvido começou a avançar lentamente. Eu segui-a o mais depressa que pude, levando num braço o menino e na outra a alcofa. Algum tempo depois avistei uma casa onde podia ver uma janela com luzes acesas lá dentro. Olhei a estrela em sinal de agradecimento, mas ela não esperou, subiu lentamente ao céu, misturando-se com as outras estrelas suas irmãs.
- Obrigada, Estrela Guia. - E sorri.
Hoje esse menino é meu filho. Nunca se descobriu quem o deixou naquele bosque. Nunca ninguém o reclamou. Não importa, é meu e não deixarei nunca que nada de mal lhe aconteça.
A estrela? Essa nunca mais a vi, ou melhor, devo ter visto, mas no meio de tantas que povoam o céu, não sou capaz de a distinguir. Se calhar nem houve estrela nenhuma, pelo menos ninguém acreditou na minha história1 Não importa. Eu sei o que vi, sei o que senti, sei o presente que me trouxe. Foi um milagre, gosto de pensar. O meu milagre. O milagre que me trouxe o meu filho querido. E isso, por muito tempo que passe, ninguém me pode tirar…
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12, 11, 10, 9, 8... a contagem avançava demasiado depressa. Nem teria tempo de pedir os desejos. 7, 6, 5, 4....”quero mudar de emprego, quero ter uma casa minha” 3,2,1! Feliz ano novo! As pessoas à sua volta gritavam, riam, brindavam.
“quero ser feliz”- foi o seu pensamento derradeiro na ultima badalada da meia noite que anunciou o novo ano.
E queria mesmo. Estava infeliz, demasiado. Preso num casamento de conveniência, num emprego de que não gostava, a viver numa cidade deprimente.
Fechou os olhos e no momento seguinte os 12 desejos surgiram na sua cabeça como se sempre lá tivessem estado.
- sair de casa
- despedir-se
- mudar de cidade
- estudar de novo
- encontrar a mulher especial da sua vida
- fazer uma longa viagem
- passar mais tempo com os seus pais
- rever os amigos de quem se afastou
- ter força para enfrentar a vida com alegria
- amar e ser amado verdadeiramente
- fazer algo pelos outros
- aprender a ser feliz
Era tudo tão evidente. Bastava pegar nas rédeas da sua vida e alterar o curso dos acontecimentos. Fazer algo por si próprio. Já era tempo de mais a viver uma vida de mentira. De repente sentiu-se tão oprimido com a ideia de não ser capaz que até lhe doeu o peito. Levantou-se, e ainda não tinham passado cinco minutos da meia-noite quando anunciou em voz alta que se iria embora. Todos os convidados que estavam lá em casa a passar a meia-noite se viraram surpreendidos. A mulher olhou-o, melhor, fulminou-o com o olhar.
- É verdade. Vou embora de casa e do emprego. Vou ser feliz.
Ninguém queria acreditar que um homem bem casado e director numa empresa de sucesso estivesse a falar a sério. Creio mesmo que só a mulher acreditou que era real aquela cena e não efeito do champanhe da meia-noite. Ela sabia que ele não era feliz, há muito que o sabia. Só não esperava que o fizesse num momento como aquele, e ainda por cima com tantos desconhecidos em casa.
Mas ele não se riu. Olhou a sala cheia de gente que nada lhe dizia, a maioria clientes da empresa e família afastada da mulher, olhou uma ultima vez e virou costas.
No ano seguinte à meia-noite, ele estava sentada muito tranquilo numa sala aquecida por uma lareira crepitante. Na mão uma taça de champanhe e na outra a mão da mulher da sua vida. Encontrara-a no aeroporto, quando rumava a África em missão da cruz vermelha. Depois, juntos, escolheram Nova York para fixar residência. E agora viviam os dois, num pequeno apartamento nos subúrbios. Vivam juntos há seis meses e eram felizes. Não tinham dinheiro, nem posição social, mas tinham-se um ao outro, faziam o que gostavam de fazer e tinham amigos sinceros. A missão em África ensinara-os o valor das coisas, o valor da ajuda, valor da amizade, o valor da paz.
Ele suspirou um suspiro profundo e cheio de significado e disse:
- Feliz ano novo, mulher da minha vida!
Texto de ficção para a "Fábrica das histórias",
Autora: Cláudia Moreira
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