Domingo, 20 de Fevereiro de 2011

Post-scriptum

 

 

 

Beijos, muitos,

 

Com amor.

 

c.m.

 

 

Post-scriptum: Já tinha dobrado a folha em três com todo o cuidado… Já a tinha colocado dentro de um dos envelopes especiais que uso para te escrever... Já tinha decidido não pensar mais em ti… Já tinha despido a roupa que tinha usado nesse dia que ainda trazia o teu perfume. Já tinha entrado na banheira, o vapor da agua quente a envolver-me o corpo… já sentia a água a cair no cabelo, nas costas, no peito, a descer pela barriga, a passar livremente pelo pequeno triangulo negro, a descer numa carícia longa pelas coxas e sempre até aos pés… E foi então que senti uma vontade incontrolável de te ter perto… De sentir novamente as tuas mãos macias no meu corpo, fazendo-o sentir coisas que mais ninguém fazia sentir… De sentir o teu beijo lento, quase tântrico… de sentir a tua urgência ali tão perto da minha urgência… Fechei os olhos e imaginei que estavas ali comigo…que me dizias que era tudo um engano e que querias fazer amor comigo uma única vez a noite toda ou muitas vezes na noite toda… e que não importava que não dormíssemos nem importava que gritássemos e não importava que relampejasse e trovejasse, nem importava que o mundo acabasse…E beijavas-me a boca, o pescoço, o peito e todo o meu corpo… E dizias que me amavas... Que me amarias para sempre...

 

Depois abri os olhos e estava sozinha e a água continuava a correr pelo meu corpo e a desaparecer no ralo da banheira… Envolvi-me numa toalha que tinha sido a tua toalha e ainda molhada escrevi estas palavras…Não sei a razão mas apeteceu-me partilhá-las contigo. Por isso abri novamente o envelope, desdobrei a carta e agora escrevo-as… São para ti… São para que saibas que jamais te esquecerei…

 

 

No meu corpo estás tu

Dentro de mim, fora de mim, em mim…

Para sempre…

Nos meus lábios o gosto adocicado

Dos teus lábios carinhosos… ansiosos…

Para sempre…

Na minha boca ainda a tua língua

Segura e quente… num pedido urgente…

Para sempre…

Na textura dos meus dedos

Os teus dedos suaves… irrequietos…

Para sempre…

Nos meus ouvidos o som da tua voz

Quente, envolvente a dizer palavras de amor…

Para sempre.

Nos meus negros e longos caracóis rebeldes

Ainda a urgência quase bruta dos teus dedos…

Para sempre.

O teu perfume aprisionado em cada poro

Da minha pele, agrilhoando-se a cada fino pêlo meu…

Para sempre…

Na minha branca epiderme estás tu

Intensa e profundamente tatuado…

Para sempre.

Para sempre.

 

 

A minha palavra para ti é amor. Depois mais duas: para sempre!

 

Beijos com sabor a saudades perpétuas...

 

Com amor.

 

c.m.

 


 

Texto de ficção escrito por Cláudia Moreira para a Fábrica das histórias

 

 

sinto-me: pensativa
publicado por magnolia às 23:21
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Domingo, 13 de Fevereiro de 2011

Isa

 

 

 

 

Isa não era uma menina como todas as outras. Trazia uma herança consigo no dia em que nasceu: poderes mágicos!

Isa descendia de uma longa linhagem de bruxas e feiticeiros, todos eles famosos e bastante temidos pelo comum dos mortais. Mas Isa nasceu muito diferente dos seus pais, tios, avós e bisavós…

Isa nasceu com os cabelos loiros e de olhos azuis, os mais bonitos de que já ouvi falar. Não tinha nenhuma parecença com a família, seres não muito bafejados pela beleza, todos demasiado morenos e sinais particulares como narizes aduncos, pele com verrugas e cabelos crespos. Mas ela não, a sua pele branca, quase etérea que apetecia tocar, os seus olhos azuis céu electrizante fazia-a parecer um pequeno anjo no meio de todos os outros seres com mais ou menos aspecto demoníaco.

Também por dentro Isa se revelou diferente de todos os outros. Ao contrário dos outros elementos da família, não revelou cedo o poder que detinha. Em vão os pais tentaram que ela fizesse poções venenosas, dissesse palavras mágicas, que transformasse gatos em cães e cães em gatos, que tornasse um doce salgado ou mais simples ainda que fizesse tombar copos sem tocar com as mãos ou fizesse garfos e facas dançar em cima da mesa. Até que um dia, desistiram.

Isa foi votada ao esquecimento. Os pais cobertos de vergonha por aquela filha que nada sabia fazer e ainda por cima com um aspecto angelical que os deixava sem saber onde se meter, deixaram-na à porta de uma igreja no sítio mais recôndito dos pais. Isa tinha sete anos.

O pobre padre que a encontrou quando foi abrir a porta para a primeira missa do dia, rendeu-se de imediato à sua beleza. Deu-lhe um frugal pequeno-almoço que era basicamente tudo o que tinha e tentou compreender porque a teriam ali deixado mas Isa não disse uma palavra. Olhava através do padre e fixava a sua atenção na pequena imagem de Maria, único objecto decorativo da parede que se erguia atrás o padre. Ao cabo de uns minutos o pobre homem desistiu. Deu-lhe a mão e levou-a até à igreja. Deixou-a sentada no banco da frente e disse a missa pedindo a Deus que guiasse os seus passos, que o ajudasse a perceber o que fazer com aquela menina tão estranha que lhe tinha aparecido ali à porta.

Depois da missa levou-a novamente para casa e voltou a insistir para que lhe dissesse quem era e de onde vinha, mas o resultado foi o mesmo. Nada. Nem uma única palavra. O padre não teve coragem de a mandar para um orfanato e depois de indagar pelos seus paroquianos se sabiam quem ela seria, foi ficando com ela. Angariou entre os seus fiéis algumas roupas e calçado para ela e passou a dormir na sala, cedendo-lhe assim o seu quarto.

Passaram-se dias, semanas e meses e nada de Isa falar. Nem um som. Os seus olhos vagueavam por todo o lado, mas atentos a tudo. Tocava em todos os objectos com uma delicadeza que impressionava, estudando-os, quase como se fosse cega e usasse a ponta dos dedos para ver. Crescia e estava cada dia mais bonita.

Um dia algo aconteceu que mudou o rumo da vida de todos os habitantes da aldeia. Foi um Domingo na missa da manhã. O sol ainda nem sequer tinha nascido. Isa estava sentada no banco da frente como em todos os Domingos desde que ali tinha chegado. Nessa manhã tinha uma outra pessoa sentada nesse banco. Era uma menina mais ou menos da idade de Isa que raramente saia de casa porque sofria de uma doença degenerativa e as pernas estavam a deixar de funcionar. Isa olhou-a longamente no rosto e depois para as mãos que estavam encolhidas e depois para as pernas, demasiado magras e tortas, os pés deformados dentro de uns sapatos velhos. Depois de uns momentos assim, em meditação, Isa saiu dessa espécie de contemplação e tocou ao de leve na menina. Primeiro no rosto e depois nas mãos e de seguida nas pernas. Depois encostou-se mais a ela e segredou-lhe ao ouvido:

- Olá, eu sou a Isa e tu?

Foi então que a menina começou a gritar. O padre olhou-a estarrecido e as poucas pessoas que ali estavam, incluindo a mãe da menina doente acorreram a ver o que se passava… Depois de uns momentos de confusão, em que Isa se deixou estar quieta e calada, a mãe da menina doente caiu desmaiada. Quando voltou a si, um ou dois minutos depois, tudo estava como antes. A sua filha estava curada. Nem sinais de pernas tortas ou mãos tolhidas. Nada. Perfeita. Olhou-a sem compreender. Então a menina, já um pouco mais refeita da surpresa pelo que lhe tinha acontecido, levantou uma das mãos e apontou sem qualquer problema para Isa e disse:

- Foi ela que me curou!

Foi o descalabro total, a confusão, gritinhos, toda a gente a falar ao mesmo tempo, o padre a tentar instaurar a ordem. Apenas a Isa se mantinha calada.

Na sua cabeça não compreendeu de imediato o que tinha acontecido. Saiu de mansinho e foi até à casa de uma pessoa que ela sabia que estava doente pois tinha acompanhado o padre muitos Domingos em que ele levava a Comunhão ao tal senhor que já não podia sair da cama. Tocou à porta e fez sinal como quem pergunta se podia entrar. A mulher abriu-lhe mais a porta e deixou-a passar. Isa entrou então no quarto e tocou ao de leve na cabeça do homem, depois no corpo, sempre levemente, depois fechou os olhos e no seu coração desejou que aquele homem ficasse bom. Quando os abriu ele estava a sorrir mas as lágrimas corriam-lhe pela cara… sentia-se de saúde perfeita, levantou-se da cama e pegou na Isa ao colo, abraçando-a. Quando a pousou, Isa sem dizer nada, foi até à porta…

Lá fora, quase toda a aldeia a esperava. Tinham ido atrás dela e de caminho outros se tinham juntado à procissão. Receberam-na entre clamores de admiração e suspiros de receio e respeito. Isa, um pouco assustada, foi até à beira do padre e disse-lhe ao ouvido que queria ir para casa…

O padre, feliz, ergueu os olhos ao céu e agradeceu aquele milagre em forma de menina que Deus lhe tinha posto à porta.

Depois deste outros milagres se seguiram. Isa afinal tinha verdadeiros poderes mágicos, que cresciam com ela, mas esses poderes mágicos tinham uma condicionante: só funcionavam se fossem acompanhados de verdadeiros actos de amor. E isso Isa tinha para da e vender, Isa tinha um enorme coração, cheio de amor a transbordar!

 

E, pronto, é esta a história de Isa, a pequena feiticeira de olhos azuis. Claro que não passa de ficção, de uma história que acabei de inventar, mas dou comigo a imaginar que embora ninguém tenha verdadeiros poderes mágicos, todos nós somos capazes de pequenos grandes actos de amor e que muitas vezes esses pequenos grandes actos de amor são capazes de fazer verdadeiros milagres. De fazer alguém que está triste sorrir, de fazer alguém que esta doente ficar melhor, de tornar alguém solitário menos infeliz…como por magia… Palavras, abraços, sorrisos, carícias são pequenos gestos mágicos que podem transformar a vida de alguém. Experimentem um pouco desta magia vocês mesmos. Quem sabe um dia não se tornam verdadeiros feiticeiros do amor?

 

 

Texto de ficção escrito por Cláudia Moreira para a Fábrica de Histórias

sinto-me: pensativa
publicado por magnolia às 18:05
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Domingo, 6 de Fevereiro de 2011

Página em Branco

 

Deus encontrou-me na berma da estrada, quando me sentei, quebrada, para descansar. As minhas lágrimas, grossas, caiam-me no vestido que eu sabia ser vermelho, mas que eu não via senão cinza e deixavam grandes marcas redondas mais escuras. Sucumbi ao cansaço extremo da caminhada que fazia e deixei-me cair naquela beira de estrada perdida do mundo. Olhei o céu mas o não vi azul, depois olhei as copas das árvores e não as vi verdes. Também não senti o cheiro das flores silvestres que por ali cresciam livres e despreocupadas da vida. E os pássaros, criaturas livres que esvoaçavam por ali, não os ouvi também. Nada parecia bulir ao meu redor. O cinzento pigmentava tudo e a minha alma era da cor das rochas vulcânicas.

Deus disse-me:

- Que tens mulher?

- Estou cansada da minha vida… - respondi eu a custo.

E Deus que tudo vê, disse-me então.

- Sei de que precisas. Vou dar-me uma oportunidade única na vida. Uma página em branco onde poderás reescrever tudo!

Eu, que mal conseguia sustentar-me de pé, agradeci e pela primeira vez em muito tempo, esbocei um sorriso. Pensei na possibilidade de começar tudo de novo e em como seria apagar todos os erros cometidos, excluir pessoas que me magoaram.

Então de repente, como por magia, tudo ficou branco e silencioso à minha volta. Não havia estrada, nem muros, nem árvores, nem céu, nem pássaros. Nada. Apenas o vazio. Na minha mão uma folha e um lápis. Pensei então que o ideal seria começar do inicio, do dia em nasci.

Ia para escrever que tinha nascido de pais ricos quando me apercebi que então não poderiam ser os meus. E eu não queria outros pais, queria aqueles que tanto me haviam ensinado e amado. Então escrevi que queria os mesmos. Depois pensei nos meus irmãos e percebi, mesmo na imensidão branca onde estava, que gostava tanto deles que me seria impossível nunca mais os ver. Também não queria outros irmãos. Então escrevi que queria os mesmos pais e os mesmos irmãos. Depois pensei em andar numa escola diferente onde pudesse fazer amigos, mas depois pensei com saudades na primeira vez que me sentei num dos bancos da escola, que depois os meus filhos haveriam de se sentar nos mesmos, na professora que sempre me elogiou e pensei que não queria outra escola, nem outra professora. Então escrevi que queria os meus pais, os mesmos irmãos, a mesma escola e a mesma professora. Depois pensei que não queria ter tido o mesmo marido mas rapidamente entendi que mesmo no meio da tristeza houveram coisas boas e filhos maravilhosos que com outro marido não poderiam de maneira nenhuma ser os mesmos. Então na minha história nova ficaram os mesmos pais, os mesmos irmãos, a mesma escola, a mesma professora, o mesmo marido.

Foi nessa altura que uma saudade dolorosa invadiu todo o meu ser e só pensava que queria abraçar os meus filhos, apertá-los nos meus braços, beijá-los muitos, tê-los perto de mim, carne com carne. Pensei que gostaria de partilhar um abraço com aquele que foi meu marido, agradecer pelos bons momentos e perdoar os menos bons. Senti uma grande vontade de voltar aos bancos da escola, de voltar a aprender coisas novas, de ter alguém que me elogiasse e incentivasse a ser sempre boa em tudo o que fizesse. Apetecia-me abraçar os meus irmãos e lembrá-los que os amos muito. E ao mesmo tempo queria tanto agradecer aos meus pais por me terem feito quem sou, pela educação que me deram, pelos valores que me incutiram, pelo amor, por todo o amor...

Por fim, pensei nas tardes solarengas de verão da minha infância, do céu tão azul como nunca mais vi outro, das nuvens com formas que me faziam voar a imaginação para lugares longínquos, das flores amarelas que eu juntava em colares e pulseiras e coroas de princesa, nas amoras que colhia nos caminhos velhos e me sabiam pela vida…

Por fim, o pensamento mais importante de todos entre todos, pensei no dia de nascimento dos meus filhos, na primeira vez que os vi, nus, indefesos, frágeis, enrugados, pequeninos. Pensei na felicidade que me encheu o coração, na promessa intrínseca de os proteger e amar até ao fim da vida. Pensei na alegria de ser mãe, de ter criado um novo ser, perfeito e belo como mais nenhum. Agradeci ter sido tão bafejada pela sorte ao conceder-me o privilégio de ter tido aqueles filhos, os meus filhos.

E foi mais ou menos por aqui que os meus lábios formaram um sorriso aberto incontrolável e foi mais ou menos por aqui que abri os olhos e me senti dorida da pedra dura onde me tinha sentado e vi o céu azul, as árvores verdes, os pássaros a cantar, os pequenos dente-de-leão amarelos que cresciam ali mesmo na berma da estrada e que eu podia tocar se quisesse. E o vestido. O vestido vermelho ainda húmido das minhas lágrimas…

Levantei-me e não senti cansaço nenhum. Segui caminho como se tivesse apenas começado agora a caminhar. Senti que tinha forças para caminhar até ao fim do mundo se preciso fosse. Senti que estava viva e que, acima de tudo, queria continuar viva por mim, e por todos aqueles que fazem parte da minha vida, e farão.

Na verdade, tenho de dizer a Deus quando o encontrar de novo, que não tenho necessidade nenhuma de uma página em branco…

 

Texto de ficção escrito para a Fábrica de Histórias por Cláudia Moreira

sinto-me: pensativa
publicado por magnolia às 22:58
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