Terça-feira, 11 de Novembro de 2008

Um grito na noite...

imagem retirada da net

Pouco passava das onze horas quando o ouvi. Estava sentada na minha poltrona lendo um policial de Joanne Harris, quando ouvi aquele som. Primeiro não prestei atenção e achei que era fruto da minha imaginação, depois materializou-se na minha mente: um grito. Um grito carregado de medo, electrizante, assustador, longo, capaz de fazer tremer as pedras da calçada.

Levantei-me apressadamente e fui à janela. Lá fora, dançando na escuridão, apenas se viam as arvores altas do outro lado da rua. De resto, nada, nem vivalma. Confesso que me senti assustada e com vontade de mandar a lembrança daquele grito para algum lugar recôndito da minha mente. Mas ao mesmo tempo, o medo de que alguém precisasse de ajuda era tanto que não consegui. Vesti uma gabardina velha e pardacenta, minha companheira de muitos Invernos e desci à rua. Esqueci-me que levava calçadas umas chinelas gastas e só no silêncio da noite me apercebi que faziam demasiado barulho. Percorri uns escassos metros quando o vi. Estava ali, simplesmente ali, estendido no chão. Jazia inconsciente e indefeso no negro chão alcatroado e senti o sangue desaparecer das minhas veias. Pobre diabo. Que se teria passado ali, naquele beco mais escuro que breu?

A noite estava fria e chuvosa, escura e feia. Nem um raio de luar, nem uma estrela a brilhar, nada, nada. Apenas escuridão. As árvores com as suas copas altas continuavam a sua dança monótona ao sabor do vento. Ao longe o latido de um cão, os morcegos voavam em redor da iluminação publica como se estivessem hipnotizados pela luz amarelada e mortiça.

Verguei-me sobre aquele corpo e vi que respirava. Toquei-lhe. Um gemido saiu da sua garganta como se saísse das suas entranhas e uma mão saiu de dentro do casaco maltrapilho e agarrou-me o braço. Teve medo de mim. Também eu tive medo dele.

O homem que olhava para mim estava aflito, dorido, ensanguentado. Os andrajos que vestia mostravam que era um sem abrigo. Que faria ali? E agora? Que poderia eu fazer com aquela pessoa? Chamar uma ambulância, mas diria o que?

Depois de me certificar que o homem respirava, corri até casa e peguei no telefone. Mudo. Estava absolutamente mudo. O telemóvel não funcionava, estava sem rede. Mas será que era uma conspiração contra mim? Estava a ficar desesperada. Voltei novamente para fora, sempre a correr, sempre com os chinelos “rap rap” na noite, já pronta para o levar para dentro de casa, dar-lhe banho, comida, alguma coisa que o fizesse melhorar. Mas quando cheguei ao lugar onde estava o homem não encontrei ninguém. No sitio apenas um pássaro negro, morto, molhado e já em estado de decomposição.

Fiquei ali a olhar por tempo indefinido. Estaria eu louca? Nem um indicio de que ali tivesse estado alguém. As folhas caídas no passeio não estavam amassadas, não se via sangue, não se via nada, nada. Alguns minutos depois caí em mim e resolvi procurar o homem pelas redondezas, mas nem sinal dele. Nem já se ouviam os latidos dos cães. A chuva continuava a cair, uma morrinha fria que me molhou até aos ossos. Depois de um tempo, já a noite ia alta, desisti. Voltei para casa, deitei-me na cama e adormeci.

Na manhã seguinte acordei cheia de sono, mas com a firme convicção que tinha tido um pesadelo. Até me ri de mim própria. Até pensei: estás louca, a imaginar homens ensanguentados à tua porta, como se fosses uma heroína da banda desenhada!

Foi quando me levantei e senti frio que agarrei o robe e vi a mancha. Uma enorme mancha de sangue com a forma de uma mão humana. Um calafrio subiu-me pela espinha dorsal até aos cabelos, deixando-mos arrepiados.

Procurei-o por todos as ruas, becos, hospitais, morgues e nada, nem sinal dele. Ninguém ouviu falar de ninguém com aquela descrição. Ainda hoje, passados tantos anos não sei a verdade. Terá sido a minha imaginação a pregar-me uma partida? Uma pessoa que precisou de ajuda e entretanto alguém chegou primeiro? Ou algum acontecimento obscuro ao género da série Twilight Zone? O mistério permanecerá por longo tempo ainda, senão mesmo para todo o sempre…

 

 

 

(texto de ficção escrito para a ´"Fábrica das Histórias")

 

sinto-me: huhuhuh...:)
publicado por magnolia às 18:11
link | comentar | favorito
4 comentários:
De Apaixonada a 11 de Novembro de 2008
Adorei apetecia mesmo que tivesse uma continuação!!
Beijos
De magnolia a 12 de Novembro de 2008
Olá Apaixonada:)

Bem-vinda ao meu humilde cantinho:) Obrigada, fico contente que o meu texto tenha agradado:)

Beijinhos

Comentar post

.mais sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 119 seguidores

.pesquisar

.Julho 2011

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. Encerrado

. I love books

. Viagem inesquecível

. Hoje...

. O último retrato

. Post-scriptum

. Isa

. Página em Branco

. Chama Solitária

. Não há amor como o primei...

.arquivos

. Julho 2011

. Junho 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Março 2006

.favoritos

. Gosto de ti

. Um beijo...

. Quando a noite chega...

. Tenho um sonho...

blogs SAPO

.subscrever feeds