imagem retirada da net
Pouco passava das onze horas quando o ouvi. Estava sentada na minha poltrona lendo um policial de Joanne Harris, quando ouvi aquele som. Primeiro não prestei atenção e achei que era fruto da minha imaginação, depois materializou-se na minha mente: um grito. Um grito carregado de medo, electrizante, assustador, longo, capaz de fazer tremer as pedras da calçada.
Levantei-me apressadamente e fui à janela. Lá fora, dançando na escuridão, apenas se viam as arvores altas do outro lado da rua. De resto, nada, nem vivalma. Confesso que me senti assustada e com vontade de mandar a lembrança daquele grito para algum lugar recôndito da minha mente. Mas ao mesmo tempo, o medo de que alguém precisasse de ajuda era tanto que não consegui. Vesti uma gabardina velha e pardacenta, minha companheira de muitos Invernos e desci à rua. Esqueci-me que levava calçadas umas chinelas gastas e só no silêncio da noite me apercebi que faziam demasiado barulho. Percorri uns escassos metros quando o vi. Estava ali, simplesmente ali, estendido no chão. Jazia inconsciente e indefeso no negro chão alcatroado e senti o sangue desaparecer das minhas veias. Pobre diabo. Que se teria passado ali, naquele beco mais escuro que breu?
A noite estava fria e chuvosa, escura e feia. Nem um raio de luar, nem uma estrela a brilhar, nada, nada. Apenas escuridão. As árvores com as suas copas altas continuavam a sua dança monótona ao sabor do vento. Ao longe o latido de um cão, os morcegos voavam em redor da iluminação publica como se estivessem hipnotizados pela luz amarelada e mortiça.
Verguei-me sobre aquele corpo e vi que respirava. Toquei-lhe. Um gemido saiu da sua garganta como se saísse das suas entranhas e uma mão saiu de dentro do casaco maltrapilho e agarrou-me o braço. Teve medo de mim. Também eu tive medo dele.
O homem que olhava para mim estava aflito, dorido, ensanguentado. Os andrajos que vestia mostravam que era um sem abrigo. Que faria ali? E agora? Que poderia eu fazer com aquela pessoa? Chamar uma ambulância, mas diria o que?
Depois de me certificar que o homem respirava, corri até casa e peguei no telefone. Mudo. Estava absolutamente mudo. O telemóvel não funcionava, estava sem rede. Mas será que era uma conspiração contra mim? Estava a ficar desesperada. Voltei novamente para fora, sempre a correr, sempre com os chinelos “rap rap” na noite, já pronta para o levar para dentro de casa, dar-lhe banho, comida, alguma coisa que o fizesse melhorar. Mas quando cheguei ao lugar onde estava o homem não encontrei ninguém. No sitio apenas um pássaro negro, morto, molhado e já em estado de decomposição.
Fiquei ali a olhar por tempo indefinido. Estaria eu louca? Nem um indicio de que ali tivesse estado alguém. As folhas caídas no passeio não estavam amassadas, não se via sangue, não se via nada, nada. Alguns minutos depois caí em mim e resolvi procurar o homem pelas redondezas, mas nem sinal dele. Nem já se ouviam os latidos dos cães. A chuva continuava a cair, uma morrinha fria que me molhou até aos ossos. Depois de um tempo, já a noite ia alta, desisti. Voltei para casa, deitei-me na cama e adormeci.
Na manhã seguinte acordei cheia de sono, mas com a firme convicção que tinha tido um pesadelo. Até me ri de mim própria. Até pensei: estás louca, a imaginar homens ensanguentados à tua porta, como se fosses uma heroína da banda desenhada!
Foi quando me levantei e senti frio que agarrei o robe e vi a mancha. Uma enorme mancha de sangue com a forma de uma mão humana. Um calafrio subiu-me pela espinha dorsal até aos cabelos, deixando-mos arrepiados.
Procurei-o por todos as ruas, becos, hospitais, morgues e nada, nem sinal dele. Ninguém ouviu falar de ninguém com aquela descrição. Ainda hoje, passados tantos anos não sei a verdade. Terá sido a minha imaginação a pregar-me uma partida? Uma pessoa que precisou de ajuda e entretanto alguém chegou primeiro? Ou algum acontecimento obscuro ao género da série Twilight Zone? O mistério permanecerá por longo tempo ainda, senão mesmo para todo o sempre…
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