imagem retirada da net
E agora? Era esta a pergunta que não parava de fazer enquanto percorria o caminho que me separava de casa. De mãos nos bolsos e cachecol quase a cobrir-me o rosto, ia andando devagar pela rua, sem me preocupar com os carros que passavam de vez em quando rasando-me, e talvez, quem sabe, chamando-me nomes feios. Não tinha pressa nenhuma em chegar a casa e ter a conversa que teria que ter com a minha mulher. E agora…? E agora…? O que hei-de fazer? Uma lágrima teimosa caiu-me pela cara. Era inevitável a angústia. Perder o emprego precisamente quando mais precisava dele era devastador. Com o terceiro filho a caminho sentia-me desesperado e impotente para resolver o problema com a rapidez que era necessária. O Tomás, o primogénito, tinha seis anos e iria para escola no próximo Setembro. O Duarte tinha três anos e infelizmente era asmático. O terceiro, o Afonso nasceria em menos de um mês. E a minha mulher estava desempregada há mais de um ano sem sequer ter direitos ou regalias. Até agora tinha sido eu o pilar desta casa, a única fonte de sobrevivência da família. E agora até eu estava desempregado... Uma empresa tão grande terminar assim por perder apenas um cliente. Não era o único cliente, mas era sem dúvida o mais importante. E assim, de um momento para o outro a empresa fechava portas e os cem funcionários estavam na rua. Na rua da amargura. Nem sabia como dar esta notícia em casa. Seria um choque demasiado grande para uma mulher praticamente em fim de tempo de gravidez. E se não contasse? Cheguei a casa e não foi preciso dizer nada para que ela percebesse que algo de grave se passava. Creio que nos meus olhos estava estampada a preocupação que me ia na alma. - Perdi o emprego… Ela não me disse nada, limitou-se a esconder o rosto nas mãos. Eu abracei-a e prometi que arranjaria uma solução. Teria que a arranjar. E rapidamente. Esta família tinha que comer e era eu que tinha a responsabilidade de lhes dar de comer… No dia seguinte sai de casa ainda de madrugada para procurar trabalho. Teria que aceitar tudo o que aparecesse, sem importar se gostava ou se não gostava. Calcorrearia a cidade e não voltaria a casa nessa noite sem ter um trabalho. Andei o dia todo, bati a todas as portas, li todos os jornais e nada. Nada. Nem um serviço miserável arranjei. Ninguém parecia precisar de dois braços fortes e necessitados. As portas fechavam-se-me ainda antes de ter dito tudo. A crise veio para ficar e não era eu o único a bater àquelas portas. E agora mais cem pessoas tinham vindo juntar-se ao grande grupo dos desempregados desta cidade. No fim da noite voltei a casa e a única coisa que fui capaz de fazer foi meter-me na cama e chorar. Chorei sem parar horas até que o cansaço me venceu e adormeci. Sabia que esta atitude não dava confiança à família, mas eu estava cansado demais. Sentia-me derrotado. Sentia que estava a perder uma guerra que não poderia perder de maneira nenhuma. Depois de uma semana a procurar emprego. Depois de uma semana a ouvir nãos. Depois de me sentir completamente desesperado, a pontos de já pensar em sair do país e deixar a família, de perder o nascimento do Afonso, a boa notícia chegou. Tinha uma entrevista! Não sabia sequer para o que era, mas no centro de emprego tinham-me dito apenas que precisavam de uma pessoa séria e com vontade de trabalhar. E essas qualidades eu sempre tive sem dúvida. Fui de coração nas mãos mas muita esperança para a entrevista. Em casa a família tinha ficado a rezar por mim, ansiosos pela notícia. Faltavam duas semanas para nascer o Afonso. Cheguei a casa, a minha mulher olhou-me e reteve a respiração, o Tomás olhou-me com os seus grandes olhos azuis, cópias autênticas dos da mãe e nem veio ao meu encontro como habitualmente fazia. O pequeno Duarte só pedia colo e fazia beicinho, porque a mãe nem o ouvia de tão angustiada que estava. - Então? Creio que se demorasse um pouco mais a falar ela cairia para o lado de nervos. - Consegui! O emprego é meu! Abraçaram-se, riram-se, ela chorou. O Tomás olhou-me e perguntou na sua vozinha de criança: - Já tens um trabalho novo papá? - Tenho filho, tenho. Consegui um emprego novo. A entrevista correu muito bem, os meus patrões são pessoas muito simpáticas e justas. Mas a quem eu devo mesmo este emprego é à senhora do centro de emprego que me atendeu num dos dias em que eu andava de rastos à procura de algo que me pusesse dinheiro no bolso no fim do mês. Tinha-lhe contado tudo, a angústia e o medo de não conseguir dar de comer a três bocas famintas que tinha em casa, quatro em breve. Tinha contado tudo com uma lágrima no canto do olho e a senhora, condoída, tinha usado um conhecimento seu para me arranjar trabalho. Na verdade, e apesar de a senhora trabalhar no centro de emprego, este emprego não o arranjei por lá, mas sim pela bondade infinita da senhora. Ela conhecia uma família que há muito procurava alguém de confiança para trabalhar como motorista e ela achou que eu era a pessoa ideal. Simpático, atencioso, sabia lidar com crianças e acima de tudo inspirava confiança. Graças a Deus que ainda há pessoas boas no mundo… Mantenho o emprego há algum tempo e ainda não dei um único motivo de descontentamento aos meus patrões ou à senhora do centro de emprego. Não ganho muito, mas ganho o suficiente para sustentar a família. O Tomás já sabe ler e vai terminar o ano no quadro de honra. O Duarte está melhor da asma com a casa nova que alugamos depois que mudei de emprego e o Afonso já faz umas graças que nos deixa a todos babados. E eu sou um homem feliz apesar de todos os contratempos desta vida complicada. Texto de ficção escrito para a “Fábrica das Histórias” por Cláudia Moreira
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. Hoje...
. Isa
. Não há amor como o primei...