Ela tinha chegado à aldeia há pouco tempo. Alugou a ultima casa da aldeia que ficava já um pouco metida dentro do bosque e do camião das mudanças descarregou todo o tipo de mobiliário estranho. Espelhos gigantes, panelas de ferro e muitas outras peças estranhas para aqueles habitantes da pequena aldeia. A primeira vez que apareceu na sua considerável altura e inteiramente vestida de preto, cabelo mais negro que a noite e com vários brincos na mesma orelha, as pessoas estranharam. Quando começaram a vê-la todos os dias vestida de preto estranharam ainda mais. Vinha á aldeia e não falava com ninguém. Tomava um café e saia no mesmo silêncio com que tinha entrado. Viam-na passar para o bosque e voltar com os braços cheios de plantas. Levava sempre consigo um saco preto enorme que levava a imaginação de miúdos e graúdos até ao infinito. Ouvia música estranha que se ouvia através das janelas sempre fechadas. Os miúdos começaram a espreita-la e viram fumo a sair da chaminé. E numa noite de lua cheia ela saiu acompanhada pelo saco preto e perdeu-se no meio dos campos. Foi o suficiente para que todos chegassem a casa com a notícia oficial de que aquela mulher era mesmo uma feiticeira e que ia fazer feitiços no campo com a ajuda da Lua cheia. Depois começaram a chegar pessoas estranhas à aldeia. Entravam na casa da feiticeira como lhe chamavam, ficavam algumas horas e depois iam embora. O consenso geral é que eram pessoas que vinham encomendar-lhes feitiçarias. Coisas terríveis e assustadoras. Ninguém se atrevia a falar-lhe ou mesmo a chegar-se muito perto. De noite ninguém passava pela casa e de dia só a alguns metros, muitos de distancia.
Era um grande mistério o que se passava dentro da casa do bosque. Ninguém na aldeia ficava imune a esse mistério e a imaginação voava e o medo aumentava. Ate ao dia em que chegou á aldeia o neto da dona Mariazinha, o João, e resolveu o mistério. Vinha de férias depois de muitos anos ausente e logo na primeira tarde lhe contaram tudo o que se passava na casa do bosque. Ele pensou logo tratar-se da imaginação fértil das pessoas, mas prometeu que iria lá no dia seguinte investigar a assustadora feiticeira.
Pela manha, não muito cedo, João saiu de casa para ir ver então a malvada feiticeira da aldeia. Chegou perto da casa e viu que estava tudo fechado, mas de dentro vinha o som de música estranha. João não era muito entendido mas pareceu-lhe que era algo no género de música gótica. Avançou até à porta principal e bateu. Ninguém atendeu. Bateu de novo. Nada. Já estava prestes a voltar para trás quando chegou uma rapariga que lhe perguntou se a Diana estava. João não fazia a mínima ideia de quem era a Diana e ia responder isso mesmo, mas não foi preciso porque no mesmo momento a porta abriu-se e ele pode ver uma mulher vestida de negro e cabelos longos, negros também.
- Olá. Entrem.
Entraram. João viu os espelhos que estavam espalhados pela casa. Cortinas de organza pendiam do tecto e vários caldeirões pretos perto das paredes estavam cheios de vasos de orquídeas.
- Podem ir ao quarto vestir as roupas.
João tratou logo de dizer que não tinha que vestir roupas, que vinha ali por outro motivo. A cara dela foi de interrogação. Como se dissesse “então que raios queres tu daqui?”
Então João explicou tudo do princípio. Que os habitantes a achavam estranha, que tinham receio dela. E que ela era sem duvida a personagem que mais povoava a imaginação daquela gente e que mais ocupava as bocas do povo. Então ela contou que era fotógrafa, que recebia muita gente que lhe pagava para fazer catálogos para poderem mostrar nas agências modelos. Explicou que adorava ir ao bosque passear, trazer ervas para as comparar com os livros, porque gostava de estudar a medicina alternativa. Contou também que andava a tentar fotografar a lua cheia porque queria ganhar um premio numa revista especializada em fotografia. Contou também que gostava de usar a lareira mesmo em dias de sol, porque o fogo lhe dava uma sensação de conforto. Também contou que não falava com ninguém na aldeia porque as pessoas a olhavam de forma estranha. Não só estranha como antipática.
Riram-se muito da situação. Ela convidou-o para ficar a ver a sessão de fotos. Ele aceitou. No fim ela mostrou-lhe algum do seu trabalho, que por sinal ele achou fantástico. Lancharam um bolo delicioso que ela mesma tinha feito. Já era de noite quando se aperceberam das horas. Diana queria que ele ficasse para jantar. Ele também queria, mas achou melhor ir para casa não fossem estar já preocupados.
- Então filho? Que se passou? Estávamos tão preocupados! Viste a feiticeira? Estávamos tão preocupados que ela te tivesse feito algum feitiço…
João desatou a rir com gosto.
- E fez!
Não continuou e por momentos pode gozar as caras assustadas da avó e da tia.
- Lançou-me o feitiço do amor…acho que foi amor à primeira vista. Ela é linda avó! E muito carinhosa. E faz uns bolos deliciosos! Amanhã volto lá para ser enfeitiçado mais um bocadinho…
E com isto riu-se muito contou toda a história, do princípio ao fim, perante o olhar incrédulo de todos. João estava desconfiado que eles ficaram um pouco decepcionados. Afinal, era muito mais interessante ter uma feiticeira na aldeia do que uma fotografa!
E com esta história se prova que uma mulher não precisa de aprender feitiços para agarrar as pessoas. A sua magia é o amor que sente e faz sentir. É a beleza que enfeitiça o coração de um homem. É a meiguice com que trata o seu amado. E claro está, que se souber fazer uns petiscos melhor! E pronto, não há feitiço como o feitiço do amor! Dura para sempre!
“Texto de ficção escrito por Cláudia Moreira para a Fábrica das histórias”
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