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- Bom dia Tia Miquinhas! - Bom dia Rosinha… - Então Tia Miquinhas? Passou bem o dia? - Nem por isso filha, nem por isso… - Então que se passa? É o reumático outra vez? - Oh, é a velhice, é o que é… - Velhos são os trapos, é o que a minha avó me está sempre a dizer! - Pois é…Da boca para fora é fácil, agora cá dentro…. - Mas você está aqui tão bem tratadinha, lareirinha acesa, comidinha boa… não a tratamos bem? - Tratam sim, minha querida, não sou nenhuma ingrata. Mas se soubesses o que é estar para aqui sozinha, dia após dia, a olhar para o vazio da vida, só à espera da hora da morte… - Então dona Miquinhas, que tristeza é essa? - Não é nada… - Vá lá, então? Não se vai por agora a chorar, vai? - Isto já passa filha… - Assim também vou chorar consigo… - Tu não tens porque chorar Rosinha. Jovem, bonita, uma vida inteira pela frente… - Você tem as mãos tão geladinhas, deixe que eu esfrego um bocadinho para as aquecer. - Obrigada minha filha, se não fosses tu não sei o que seria de mim. Sabes, conto as horas, os minutos para te ver entrar ali por aquela porta… a solidão de um velho é uma coisa terrível… - Eu compreendo isso, mas não se pode deixar abater. Vá lá. Vamos ao banhinho? - Tenho tanto frio, ligas o aquecedor filha? - Claro que sim, já está ligado. Isso mesmo, vamos lá tirar a roupinha, agora para dentro da banheira. Cuidado, veja lá, não vamos partir nada, que isso nesta idade custa muito a soldar! - Nem digas uma coisa dessas Rosinha, que eu até ficava maluca da cabeça. Lembro-me tão bem de quando era nova, assim mais ou menos da tua idade, o que eu saltava, trabalhava, dançava nos bailes de domingo à tarde… e agora olha, nem me consigo lavar… - Sabe, Dona Miquinhas, um dia vou ser eu a estar ai nesse lugar e espero que haja alguém que queira estar no que estou agora… - Tu tens bom coração, não te vai faltar ajuda, Rosinha… - Deus a ouça, Dona Miquinhas, Deus a ouça… Vamos vestir agora… dê lá um jeitinho ao braço. Isso mesmo. - Ai ai ai….que me dói tanto a coluna. Não tarda vou acamar… Virás na mesma Rosinha? - Mas isso lá é pergunta que se faça minha senhora? Ai, ai, ai, olhe que assim ofende-me… - Não fiques zangada, mas eu só posso contar contigo e não sei como vai ser depois que precisar das fraldas e de que me metam a comida na boca… - Vai ser como é agora. Eu venho cá fazer o que é preciso, dar o banho, dar de comer, tudo como até aqui. - Obrigada Rosinha, obrigada querida. Se fosses minha neta não gostaria mais de ti… - Eu também gosto muito de si Dona Miquinhas. Olhe aqui o jantar. Arroz de netos com um filetezinho que eu sei que adora! - Cheira bem! Se souber bem como cheira… - Pronto, agora tenho de ir que tenho a dona Mariazinha à espera. Depois deixe ai a louça que mais tarde passo aqui para a lavar! - Esta bem filha, vai sossegada. - Nada de sair daqui da beira da lareira, senão ainda apanha uma gripe e depois é que vão ser elas! - Não saio daqui, prometo, vou ficar aqui entretida numa conversa com o meu falecido António… - Até logo então Dona Miquinhas! - Até logo Rosinha! Texto de ficção para a Fábrica das Histórias por Cláudia Moreira
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. Conversas no fim da vida....