Lembro-me vagamente de ter sido feliz. Sei que o fui. Não sei bem quando, nem porque e nem como, mas sei que o fui. Agora, há tanto tempo que no meu peito mora uma pedra e nos meus olhos um lago gelado que já nem sei bem se tudo não terá passado de ilusão. Preciso que não tenha sido.
A angústia acompanha-me em cada dia, a tristeza também. Nada me faz sorrir. Já nem sei como se faz. Às vezes olho-me ao espelho e tento fazer um sorriso. É inútil. Ergo os cantos da boca mas o que o espelho me mostra não é um sorriso, mas sim um esgar. Desisto. É demais para aquilo que posso suportar.
A pedra que mora no meu peito é inerte como todas as pedras. Não ama ninguém, não sente saudade. Não jubila. Não sangra. É apenas uma pedra feia e velha sem préstimo nenhum.
Os meus olhos outrora brilhantes de alegria são agora dois lagos escuros e profundos. Não há vida neles. Nada se mexe e nem o luar é capaz de fazer a sua superfície brilhar.
Preciso de mudar. Não posso continuar assim. Dentro de mim há algum que me diz que devo procurar ser feliz de novo, mas a minha mente faz a pergunta certeira: como? Não sei. Terei de ir em busca da felicidade. A demanda é difícil bem sei, mas não creio que seja impossível. É a velha máxima que diz que a esperança é última a morrer. E é.
Pus-me a caminho naquela que viria a ser a busca mais difícil da minha vida, mas também a mais compensadora. Percorri o mundo. Subi aos montes mais altos mas não estava lá. Procurei nos vales verdes, vi belezas como nunca tinha visto antes. Mas também não era lá que estava a felicidade. Visitei cidades, procurei dentro dos prédios. Nos museus e nas galerias de arte. Comi nos melhores restaurantes. Passeei nas praias paradisíacas dos trópicos e mergulhei no mar mais azul de todos. Vi corais e peixes multicores. Vi tantas, tantas coisas maravilhosas e mesmo assim não a vi, essa tal de felicidade.
Voltei para casa, triste, mais triste do que tinha partido. Caminhei devagar, o passo incerto de quem não tem pressa, porque nada importa mais. Abri a porta de casa e entrei.
Os meus filhos correram para mim em grande alarido, deitando-me ao chão. Os risos ecoarem pela casa. Beijaram-me tanto e disseram toda a saudade de que tinham tido de mim. O meu marido abraçou-me com toda a força. Uma lágrima soltou-se dos seus olhos. Na sua boca silenciosas formou-se a palavra amo-te. Via-se a saudade na sua cara. À minha espera tinha alguns postais de amigos, recados da família que tinha telefonado na minha ausência. Os vizinhos vieram dar-me as boas vindas. Depois que a casa sossegou e todos estava, sossegados nas suas camas, passeei pela casa e pude perceber a falta que aquele lugar me tinha feito. Passei os dedos pelos móveis, pelas orquídeas, os espelhos. Tudo no seu devido lugar. A minha secretária perto da janela. Entreabri a cortina e o luar entrou e invadiu toda a divisão. Iluminou os meus livros que durante anos e com tanto sacrifício reuni. Iluminou o retrato dos meus filhos na secretaria. Logo a seguir estava o meu e do meu marido, ambos de sorrisos abertos.
Um calor estranho invadiu o meu coração. Um aperto fez-me desejar apertar os meus filhos e marido nos braços. Recordei os seus rostos sorridentes com que me receberam nesse dia e isso encheu o meu peito de alegria. Senti cada músculo do meu corpo relaxar, fechei os olhos, ergui os cantos da boca e sorri sem esforço nenhum. Uma estranha paz invadiu-me. Desejei ficar assim para sempre, fazer durar aquele momento, multiplicá-lo. Senti-me feliz, verdadeiramente feliz. Abri os olhos e lá estava o meu marido na ombreira da porta.
- Fizeste muito falta meu amor… - ele disse-o com tanto amor, tanto carinho que imediatamente senti o meu coração ficar do tamanho de uma ervilha.
Percebi então que a minha felicidade estava ali. Estava mesmo ali ao alcance da minha mão. Sempre tinha estado. Não precisava de ter ido à procura porque ela sempre estivera ali. Eu podia ter continuado em busca que não teria nunca encontrado. A minha felicidade é a minha família, são os meus amigos. É o respirar, é o estar viva. O poder assistir todos os dias ao nascer e ao pôr-do-sol. É o poder caminhar livremente, correr e saltar. É o poder sorrir. É ter abraços de quem mais amo e poder retribuir. É poder ouvir as gargalhadas das crianças, ver o sorriso dos velhos. A felicidade está ao alcance das nossas mãos. Sempre esteve e sempre estará. Eu descobri isso e agora jamais irei esquecer.
Texto de ficção escrito para a “Fábrica das Histórias” por Cláudia Moreira
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