Domingo, 28 de Junho de 2009

Nas nossas mãos

 

Eu ia a passear calmamente perto da praia quando alguém me fez sinal para parar.

- Não quer que lhe leia a sina menina? Dá só o que quiser…

Eu ri-me. A sina! Nunca acreditei nessas coisas! Em todo o caso acedi. O aspecto triste da mulher fez-me pena. Estava andrajosa e magra. Parecia que não comia há muito, muito tempo.

- Está bem. Diga lá o que vê nas minhas mãos.

- Chegue-se aqui ao pé de mim menina, eu não mordo.

Tomou as minhas mãos nas dela e olhou-as durante um tempo que me pareceu uma eternidade. Por fim sem tirar nunca os olhos das minhas mãos disse:

- A menina tem grandes coisas pela frente. Vai ter muita sorte na vida, uma fortuna incalculável vai cair-lhe nas mãos, será algo que nunca irá esquecer. E essa fortuna vai transformar a sua vida para sempre.  

Eu não contive uma gargalhada! Rica! Eu! Dava mesmo vontade de rir atendendo a que eu não tinha de onde me caísse riqueza.

Dei-lhe algumas moedas e fui embora. Segui caminho e nunca mais pensei na velha cigana que lia a sina.

Depois deste dia muitas coisas aconteceram. Encontrei um homem maravilhoso e casei. Tive filhos lindos que mais tarde se vieram a revelar pessoas de valor. Desde cedo e a custo trabalhei afincadamente para conseguir ter uma vida confortável. Depois e com a ajuda do meu marido consegui construir um pequeno império. Pequeno sim, mas que chegava para me dar uma vida cheia de coisas boas. Viajei para sítios maravilhosos, fui a festas com gente bonita, comprei jóias raras. Tudo aquilo que geralmente conseguimos obter de bom com dinheiro. Sempre fui feliz. Não apenas por ter uma vida boa financeiramente, mas porque estava rodeada de pessoas de quem eu gostava e que gostavam de mim. Os meus filhos adoravam-me verdadeiramente. Não se passou um único dia enquanto fui viva sem que eles me viessem acarinhar, mostrar o que se preocupavam, o que quantos gostavam de mim. Até que um dia a doença veio ter comigo. Fiquei prostrada nunca cama de hospital. Amaldiçoei a minha vida e por fim conformei-me. Foi nesta fase da vida que a cigana me veio novamente à cabeça. Já se tinham passado muitos anos, mais de cinquenta, e eu nunca mais tinha pensado nela. Mas um dia estava a olhar para as minhas mãos, a notar o quanto estavam envelhecidas e lembrei-me de um dia alguém olhar para elas e ver coisas grandiosas. Recordei toda a conversa e tentei encaixá-la na minha vida. Não me tinham dado uma fortuna como ela me tinha dito, tinha sido eu a construi-la a pulso, no fundo com as minhas mãos. Talvez ela tivesse razão afinal. Tinha sido algo conseguido através das mãos. Mesmo assim ela não tinha adivinhado

Num dos dias que me senti pior, a família veio em peso. Creio que pensaram que seria o último momento que estariam comigo. Estavam todos ali rodeando-me a cama branca do hospital. Foi então que percebi verdadeiramente que aquela era a minha riqueza. Não era o dinheiro, nem as casas, a empresa, os carros, as jóias, mas sim a família. Foi precisamente a família que eu ganhei como se fossem uma lotaria. Não tinha sido eu construir, tinha-me sido dada. Não tinha estado nas minhas mãos, mas nas de alguém que eu não sabia o nome. Tinha tido uma sorte tremenda com estas pessoas que eram os meus filhos e o meu marido. Era inegável que a minha riqueza era essa. Afinal a mulher da sina tinha razão. Muita razão. Tanta que eu nem conseguia respirar. Adorava a minha família. Ainda não tinha morrido e já morria aos poucos de saudades daquelas pessoas que eu sei, me adoravam e a quem eu adorava acima de todas as outras coisas.

A verdade é que a velha cigana tinha razão. Estava tudo nas minhas mãos, sempre estivera. Ela vira nelas o meu futuro e eu não quis acreditar. Foi com elas que eu construi uma vida bonita e cheia de coisas maravilhosas como a família, o amor que nos devotamos e os carinhos com que nos tratamos. O dinheiro também, mas isso foi apenas um suplemento. A verdadeira fortuna que me caiu nas mãos foi a minha família, e foi com as minhas mãos que eu sempre velei por ela. Compreendi então que há coisas que estão nas nossas mãos verdadeiramente. Coisas como amar uma família e conservá-la. Fazer de tudo para que sejam felizes, dar-lhes uma vida boa. E mesmo as coisas que nos caiem nas mãos por sorte como foi o caso da família que tive a sorte de ter, temos depois que zelar por elas, acarinha-las, ama-las, envolve-las nas nossas mãos, cuidar para que tudo corra bem até ao suspiro final.

 

Texto de ficção escrito para a “Fábrica das Histórias” por Cláudia Moreira

 

sinto-me: :)
publicado por magnolia às 19:05
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